sábado, 16 de julho de 2011

CRÔNICA: ÀS VEZES DÓI

Tô arrasada.
Coisa que tanto condeno, fiz.
Eu sei que tem coisas na vida que não tem volta.
Não tem conserto. Uma palavra, por exemplo.
Uma única palavrinha verdadeira e o eterno abismo entre duas pessoas.
Um e-mail seco, desligar o telefone no ouvido do outro ou trocar de calçada para não cumprimentar a criatura genealógica e pronto - está feito o estrago.
Um delicado cálice de cristal e um tintim mal celebrado: a lasquinha perdida e você nunca mais oferece aquele licor divino para sua melhor amiga.
Com muito esforço um dia tudo se ajeita... Ou não.
Eu sei que tem coisas na vida que não tem volta
Outras têm. Mas demora, demora...
Como agora: choro a minha pitangueira que permiti podar, deixando os passarinhos indignados.


*
Dias desses voltava de Porto Alegre, de ônibus. 
Nem bem chegara à rodovia de Canoas, o celular da mulher atrás da minha poltrona engatou um toque-pagode. Quase surtei. 
E só porque ela me obrigou a escutar o que tricotava com a comadre até quase a Polícia Rodoviária,  passo o novelo adiante. 
A mulher usava os cabelos farrah-fawcett, era coxuda e calçava uma bota marrom com casaco até os joelhos, de lã sanfonada e era professora em um colégio da região. 

A parte mais interessante que me dei o trabalho de anotar e que os assentos mais próximos também ouviram:
- Ele disse pra Virgínia que o casamento era uma verdadeira jaula.
-...
- Porque eu tava junto.
-...
- Sim, depois não sabe  porquê alguns dizem que vão comprar cigarro e nunca mais voltam.
- ...
- Nem me fala. Eu sei. Conheço a fera.
-...
-  Casamento é necrofilia com aquela coisa de até que a morte nos separe, né, Mara!

Pelo menos essa parte da ligação foi bem interessante. E assim que cheguei em casa, corri para o dicionário. Mas ainda precisei ouvir muita idiotice. Claro que não consegui nem cochilar e quando passávamos pelo pedágio de Fazenda Vilanova começaram a trepidar outros celulares.
Quase não contive as lágrimas. De raiva.
*
Dias atrás fui até a Abaquar no bairro Santo Antonio, em Lajeado.
Levei umas sacolas que deixaram lá em casa para entregar para o pessoal que freqüenta a ongue. Doações? Credo, ainda bem que fiz uma triagem.

Como as criaturas têm coragem de dar para outras pessoas roupas mofadas e rasgadas? Esses “abnegados” são tão miseráveis que não conseguem jogar no lixo os cacos velhos que guardam por anos a fio e aí pensam que fazem um grande ato de caridade, doando.

Era um dia bonito quando cheguei  na Abaquar. 
Um menino me viu com as sacolas e veio correndo ao meu encontro:
- É roupa nova, tia, é?

Enchi os olhos: inverno duro esse.

Um comentário:

JORGE LOEFFLER .'. disse...

Oi muié marvada!
Eu me tinha por um durão e esse texto me levou as lágrimas. Me convenço agora que não sou mais o mesmo do passado, hoje véio e frouxo, mas franco.