segunda-feira, 4 de março de 2013

BUFOS & BUFADAS


photo by Irving Penn
1 Escreva primeiro com o coração, depois com a cabeça -  aconselha o personagem de Sean Connery no filme Procurando Forrester. Então, cordialmente, se tem algo que me irrita profundamente é ouvir alguém falando ao celular perto de mim. Saio de perto. Mas nem sempre é possível, o que beira o insuportável.  Tenho vergonha de atender o celular com testemunhas. E penso que as pessoas não têm um pingo de educação quando se põe a falar perto da gente, impondo seus papos furados ou suas preocupações, suas viagens ou suas vidinhas de churrasco e reuniões e consultas médicas. E quando discutem por ciúmes pregando mentiras que nos tornam quase cúmplices? Sim, quando falam dentro de um ônibus, avião, ou banheiro de restaurante? Odeio. E não disfarço. Bufo.

2  Achei um celular esquecido no banheiro do aeroporto. Procuro a última ligação. Foi para “Amor”. Ligo para Amor. Ninguém atende. Amor foi para gandaia. Procuro a segunda ligação do celular, “Mãe”. Atende, claro! Achei o celular de sua filha, digo. Ela fica desesperada. Acabou de embarcar para São Paulo! Respondo que vou deixar nos Achados e Perdidos do aeroporto. O celular é da Suelame. Duvido que a Anarc vai devolver. Não me entregaram nem um comprovante quando deixei com eles. Bufo. E é um celular bem moderno. Muito melhor que o meu. Acho que a Suelame se ferrou.

3 No consultório, a mulher finalmente desliga o celular. Tento me concentrar na leitura. Marquei essa consulta em novembro. Ahã, estamos em fevereiro. Isso que tenho plano médico. Mas a mulher continua falando pelos cotovelos. Começo a bufar. Puxa uma lista de desgraças. Talvez, se eu tivesse um lápis na bolsa, na maior cara dura, anotaria tudo e renderia uma crônica. Sim, vingança literária. Mas não tenho e sua voz é monocórdia. Só ela fala na sala de espera do consultório cheio. Ainda por cima a tevê ligada. Continuo a bufar. Ela nota, mas também continua. Palpitações de raiva. Logo eu que vivo falando em se botar no lugar do Outro? Pois é. No desespero, peço uma caneta para a secretaria e rabisco no papel, Por favor, me chama logo. Horrível, eu sei. O que faz o desespero, né? Isso é escrever com o coração.

* Minha crônica no jornal Opinião, de Encantado.



2 comentários:

Anônimo disse...

Por que tudo isso blogueira? Viva e deixe viver...

Anônimo disse...

Laura, obrigado pelas risadas que esta crônica me proporcionou.
Trazes o retrato fiel dos nossos dias onde as pessoas exacerbam comportamentos ridículos que beiram a idiotia completa.