photo by Irving Penn
1 Escreva
primeiro com o coração, depois com a cabeça - aconselha o personagem de Sean Connery no
filme Procurando Forrester. Então, cordialmente, se tem algo que me irrita
profundamente é ouvir alguém falando ao celular perto de mim. Saio de perto.
Mas nem sempre é possível, o que beira o insuportável. Tenho vergonha de atender o celular com
testemunhas. E penso que as pessoas não têm um pingo de educação quando se põe
a falar perto da gente, impondo seus papos furados ou suas preocupações, suas
viagens ou suas vidinhas de churrasco e reuniões e consultas médicas. E quando
discutem por ciúmes pregando mentiras que nos tornam quase cúmplices? Sim,
quando falam dentro de um ônibus, avião, ou banheiro de restaurante? Odeio. E
não disfarço. Bufo.
2
Achei um celular esquecido no banheiro do aeroporto. Procuro a última
ligação. Foi para “Amor”. Ligo para Amor. Ninguém atende. Amor foi para
gandaia. Procuro a segunda ligação do celular, “Mãe”. Atende, claro! Achei o
celular de sua filha, digo. Ela fica desesperada. Acabou de embarcar para São
Paulo! Respondo que vou deixar nos Achados e Perdidos do aeroporto. O celular é
da Suelame. Duvido que a Anarc vai devolver. Não me entregaram nem um
comprovante quando deixei com eles. Bufo. E é um celular bem moderno. Muito
melhor que o meu. Acho que a Suelame se ferrou.
3 No consultório, a mulher finalmente
desliga o celular. Tento me concentrar na leitura. Marquei essa consulta em
novembro. Ahã, estamos em fevereiro. Isso que tenho plano médico. Mas a mulher
continua falando pelos cotovelos. Começo a bufar. Puxa uma lista de desgraças.
Talvez, se eu tivesse um lápis na bolsa, na maior cara dura, anotaria tudo e
renderia uma crônica. Sim, vingança literária. Mas não tenho e sua voz é
monocórdia. Só ela fala na sala de espera do consultório cheio. Ainda por cima
a tevê ligada. Continuo a bufar. Ela nota, mas também continua. Palpitações de
raiva. Logo eu que vivo falando em se botar no lugar do Outro? Pois é. No
desespero, peço uma caneta para a secretaria e rabisco no papel, Por favor, me
chama logo. Horrível, eu sei. O que faz o desespero, né? Isso é escrever com o
coração.
* Minha crônica no jornal Opinião, de Encantado.
2 comentários:
Por que tudo isso blogueira? Viva e deixe viver...
Laura, obrigado pelas risadas que esta crônica me proporcionou.
Trazes o retrato fiel dos nossos dias onde as pessoas exacerbam comportamentos ridículos que beiram a idiotia completa.
Postar um comentário