sábado, 19 de dezembro de 2009

ASSUNTO DELICADO

“Como lidar com alunos de uma escola que perdem um colega ou uma colega, cuja causa da morte é suicídio?
Nós os professores ficamos perdidos quando acontece um fato como este. Não sabemos o que fazer. Não se toca no assunto.
Não se pronuncia o nome do aluno ou da aluna que morreu, nada se fala a respeito.”
C. M. dos Anjos


RESPOSTA

“Trata-se de algo difícil e doloroso demais de se abordar até mesmo por psicanalistas experientes.
(...)
O ser humano faz de tudo para não pensar. Sabe por quê?
O pensar verdadeiro tem a ver com uma falha que inaugura a vida e que reflete a existência da morte real, da qual nada sabemos e nunca teremos como saber.
(...)
Sempre que um jovem interrompe sua vida, há um sentimento de horror não somente para a família, mas, também, para todos aqueles que partilhavam com ela de um convívio mais próximo. O núcleo familiar sofre a dor maior. A dor maior de todas as dores. Há um sentimento de perda, uma sensação de algo que é irrecuperável. Os pais se culpam e se recriminam.
(...)

Escola e família são lugares e funções que pelo menos não deveriam se confundir. Mas, às vezes há uma confusão de lugares, onde os pais delegam suas funções para a escola e esta se torna então uma extensão da família.
(...)
Qual o papel da escola nesta triste tarefa?
Ela terá forte resistência de abordar o suicídio deste jovem, pois ela também se encontra num estado sofrimento e de perda. Falar sobre o assunto seria a melhor maneira de conduzir uma situação traumática como esta? Não falar e permanecer em silêncio, cá entre nós, se torna muito mais conveniente para todos, não é mesmo?
(...)




Falar com os alunos é realmente necessário.
Por quê? Porque senão o campo fantasmático irá tomar conta do buraco que se apresentou no lugar deste aluno que, à sua maneira, participava da dinâmica da escola.
O importante não é falar ou não falar mas, de quê maneira abordar um assunto tão angustiante e, com qual objetivo.

O quê dizer, como abordar, até onde e como tocar no tema do suicídio?
Podemos trabalhar a questão, pelo menos de saída, com a turma da qual o jovem fazia parte.
Primeiro, escutar o que os alunos têm a nos dizer. O que eles têm a nos ensinar.
Os alunos são sensíveis demais para perceberem quando os professores não estão presentes ali, de onde eles estão falando.

Falar por falar é pior.
(...) realizar uma verdadeira leitura do acontecido, deixando lugar para questionamentos.
A questão maior será: mas isto também pode acontecer comigo? Explicar sobre a capacidade que temos de pensar, de fantasiar. O que é diferente de passar ao ato, de realizar o ato suicida.




Mais, ainda: mostrar com todas as letras que o sujeito que praticou o suicídio, talvez ele mesmo não tivesse a morte como seu objetivo.
Pelo contrário, talvez quisesse se ver livre da morte, ele talvez quisesse viver. Mas ele quer se ver livre de um sofrimento que o massacra por dentro, de uma angústia persecutória que o aniquila e ele não vê outra saída senão fazer a besteira que acaba por fazer.

Há algo que é muito importante e que os professores necessitam saber, pesquisar: praticar o suicídio, isso não é para quem quer. Isso alivia a cabeça dos jovens. Isto é para quem pode, para quem está realmente doente, sofrendo, carregando um peso que não é seu. Não se trata de um querer consciente.
(...)

O bom diálogo nasce dentro de casa, inicialmente com os pais, depois com amigos e colegas das escolas.
Nesse sentido torna-se saudável falar sobre o suicídio de um jovem numa escola. Precisamos perder o pudor em relação à morte e ao suicídio. Talvez falar, debater, sobre o suicídio, possa retirar o peso do estigma que gira em seu entorno.

Cada aluno, cada professor, funcionários da escola, cada um de uma maneira ou de outra carrega um pedaço do morto para sua própria casa. E aí entram os pais.




Seria interessante perguntar: Não seria enriquecedor acolher os pais dos alunos que queiram participar das discussões? Mesmo porque eles também carregam fantasias de morte em relação a seus filhos, não é mesmo?”

José Nazar
Médico Psiquiatra e Psicanalista.
Membro da Associação Brasileira de Psiquiatria

http://www.ciadefreud.com.br/artigos_detalhe.php?idartigo=5




3 comentários:

JORGE LOEFFLER .'. disse...

Lady Laura penso que o suicídio seja uma fuga à qual alguns recorrem. Razão para tomar tal atitude, confesso que não consigo compreender. A perda de um ente de nossas famílias é algo sempre doloroso. Se suicídio penso que mais doloroso ainda. Passamos nós por um trauma enorme. Neste dia 6 de janeiro vindouro estará fazendo 14 que o nosso filho do meio, o Guilherme, o que mais fechava comigo, foi nadar na lagoa da Harmonia aí em Teutônia e foi traído por seu jovem e sadio coração. Exímio nadador, o vimos partir nas águas. Estávamos eu, a mãe e o Christian, irmão. O sepultamos no dia seguinte, 07 de janeiro, dia em que ele deveria comemorar seus 19 anos. Em nossas famílias sepultamos inúmeros membros, mas esta foi a mais dura.

Anônimo disse...

Já dizia o cantor Renato Russo que a família normal é a mais eficaz estufa da loucura.

Morgana disse...

Seu anônimo: prefiro Balzac quando diz que a resignação é um suicídio cotidiano.