Mauricio Lima/ AFP
A vida dos outros
" Em meio a uma campanha eleitoral que muitos apontam como a "mais baixa" desde a redemocratização, a Folha tocou em um ponto sensível.
Há oito dias, publicou a declaração de uma bailarina que diz ter ouvido Monica Serra contar que fez um aborto. A mulher do candidato tucano teria relatado a suas alunas da Unicamp, em 1992, que, quando estava no exílio, precisou interromper uma gravidez.
O depoimento circulava desde 11 de outubro na internet, mas a Folha foi o único órgão da grande imprensa a noticiá-lo. No dia seguinte, a assessoria de imprensa de José Serra divulgou uma nota negando que isso tenha ocorrido.
A ousadia da Folha mobilizou leitores que não costumam reclamar. De 118 mensagens, 61% eram de remetentes escrevendo pela primeira vez a um ombudsman. E 80% desaprovaram a publicação.
O principal argumento é que se trata de assunto de foro íntimo. "Comprometeram a dignidade de uma mãe de família, de uma avó e de uma cidadã", escreveu um leitor.
A legitimidade de invadir a privacidade de um político depende muito da relevância pública do que se pretende expor.
Neste caso, a pertinência jornalística é difícil de ser contestada, já que o tema foi explorado à exaustão na campanha. Serra disse ser contra a legalização do aborto, "até por uma questão pessoal" e também "porque se liberaria uma verdadeira carnificina".
Há um mês, segundo a Agência Estado, Monica Serra disse que "Dilma era a favor de matar criancinhas".
Parece legítimo, então, informar o leitor sobre o depoimento da ex-aluna para que ele tenha um dado a mais na avaliação dos candidatos."
(...)
"No Brasil, preserva-se a privacidade de políticos, exposta em casos excepcionais. O filho que Fernando Henrique Cardoso teve fora do casamento só foi publicado pela Folha, no ano passado, quando o ex-presidente decidiu reconhecê-lo. O rapaz já está na universidade.
Miriam Cordeiro surgiu, em 1989, por causa de Fernando Collor, que levou a ex-namorada de Lula à TV para contar que o então candidato tinha oferecido dinheiro para que abortasse. Foi um escândalo e virou sinônimo de baixaria política.
Além da relevância pública, é preciso considerar o grau de veracidade do relato. As regras do bom jornalismo - apuração cuidadosa, documentação, cruzamento de fontes, outro lado - costumam ser suficientes para derrubar 99% dos boatos que circulam na web. O problema é que o "caso Monica Serra" é quase inverificável.
Não é possível ter provas concretas de um possível procedimento médico feito há décadas, fora do país. De uma turma de cerca de dez alunas, a Folha conversou com três, que confirmaram a história - uma não foi incluída na edição, segundo a Redação.
As testemunhas não têm, aparentemente, interesse pessoal em prejudicar a mulher de Serra. A bailarina que iniciou a polêmica votou no PSOL no primeiro turno e votaria agora em Dilma Rousseff, mas isso não é suficiente para desmerecer seu depoimento. Pelas circunstâncias, a reportagem parece frágil, é verdade, mas não a ponto de justificar sua não publicação.
É, sem dúvida, polêmico e desconfortável fazer jornalismo da vida privada. Mas, à medida que os dois candidatos - Serra e Dilma - assumem personagens quase fictícios nessa campanha, justificam-se os esforços em tentar desnudá-los."
Suzana Singer é ombudsman da Folha de S. Paulo
Folha de S. Paulo de 24/10/2010
Um comentário:
Acho que esse DESnível é desnecessário, seja para atacar a Dilma ou o Serra. O tema aborto, na vida pública, normalmente pode vir disfarçado de uma opinião hipócrita não só por eles candidatos, mas por qualquer outro cidadão. A própria autora do blog fez comentários justíssimos a respeito desse assunto a 1 ou 2 dias atrás.
O segundo turno, por ambas as partes, foi uma mostra de como NÃO fazer política, são as saudades que tenho do candidato Cristóvão Buarque, respeitado por todos. Com tanto a se discutir sobre o projeto de cada candidato ficamos numa de atacar o outro e de discursos hipócritas.
Acho que a Folha de SP errou, que o próprio PSDB e a mídia que os apóia, ao levantar dessa forma eleitoreira e leviana a questão séria que é aborto. Até porque chegou a hora de retirmos da política a religião, assim como se fez na ciência. Quero dizer, temos de falar racionalmente sobre o nosso futuro, sem ter de recorrer ou entregar "a vontade de Deus."
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