segunda-feira, 14 de junho de 2010

A COMPLICADA ARTE DE VER

(...)


“Vinícius de Moraes adota o mesmo mote em "Operário em Construção":

"De forma que, certo dia, à mesa ao cortar o pão, o operário foi tomado de uma súbita emoção, ao constatar assombrado que tudo naquela mesa -garrafa, prato, facão - era ele quem fazia.

Ele, um humilde operário, um operário em construção".

A diferença se encontra no lugar onde os olhos são guardados.
Se os olhos estão na caixa de ferramentas, eles são apenas ferramentas que usamos por sua função prática.

Com eles vemos objetos, sinais luminosos, nomes de ruas - e ajustamos a nossa ação.


O ver se subordina ao fazer. Isso é necessário. Mas é muito pobre. Os olhos não gozam...


Mas, quando os olhos estão na caixa dos brinquedos, eles se transformam em órgãos de prazer: brincam com o que vêem, olham pelo prazer de olhar, querem fazer amor com o mundo.


Os olhos que moram na caixa de ferramentas são os olhos dos adultos.
Os olhos que moram na caixa dos brinquedos, das crianças.

Para ter olhos brincalhões, é preciso ter as crianças por nossas mestras.


Alberto Caeiro disse haver aprendido a arte de ver com um menininho, Jesus Cristo fugido do céu, tornado outra vez criança, eternamente:

"A mim, ensinou-me tudo. Ensinou-me a olhar para as coisas. Aponta-me todas as coisas que há nas flores. Mostra-me como as pedras são engraçadas quando a gente as têm na mão e olha devagar para elas".

Por isso - porque eu acho que a primeira função da educação é ensinar a ver - eu gostaria de sugerir que se criasse um novo tipo de professor, um professor que nada teria a ensinar, mas que se dedicaria a apontar os assombros que crescem nos desvãos da banalidade cotidiana.


Como o Jesus menino do poema de Caeiro. Sua missão seria partejar "olhos vagabundos"...

Rubem Alves
educador, escritor
www.rubemalves.com.br

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