sábado, 23 de outubro de 2010

DORES & DÚVIDAS

Lívia mora em Tamanduá.

Precisava fazer um trabalho na escola sobre aborto.

Tema delicado e dialético. Queria algumas opiniões e mandou um e-mail questionando sobre. Lívia acreditou que, como jornalista, mulher e cronista, talvez não nessa ordem, eu teria uma opinião formada. Foi a maior decepção. Não só para a Lívia: também não soube dizer se era à favor ou contra.

De tempos em tempos, essa contenda ganha destaque na mídia. Agora voltou porque, miseravelmente, os partidos políticos estão querendo tirar vantagens eleitoreiras. Não só eles. A capa da revista Veja, na sua tentativa de demonizar a Dilma, chegou a duplicar a candidata por uma frase dita em 2007 dizendo-se favorável a descriminalização do aborto. Evangélicos e católicos se rebelaram e isso significa votos a menos. Sem ingenuidade: a candidata do Lula não pode ter mudado de opinião? E a mulher do Serra não está sendo acusada de já ter feito um aborto apesar dele ser contra? É muita baixaria de ambos os lados. E antes que os leitores anti-pt espumem de raiva por acharem que estou abrindo meu voto, saibam que já fiz minha opção: pretendo viajar no dia 31. Não quero teclar em nenhum dos dois candidatos porque a lenda pessoal de cada um não me seduz. E ponto final.

E ainda tem a questão da Lívia que ficou sem resposta...

Certa vez fui entrevistada por Renato Worm, na Independente, e um dos temas era justamente sobre o aborto. E se bem ou mal recordo, respondi que era à favor. Hoje? Não sei. Porque “hoje” penso diferente de “ontem”. E ninguém vai me tirar o direito de “ontem” pensar x e “hoje” pensar y e no futuro voltar a acreditar que talvez as coisas não sejam tão simplistas assim e optar z como a melhor opção. Os donos das certezas absolutas que criem seu próprio limo.

Anos atrás, uma mensalista de toda sexta-feira, entre um balde e outro na faxina do apartamento em que eu morava em Porto Alegre, disse algo que nunca mais esqueci. Era Marisa o nome dela. Morava distante, embarcava em dois ônibus para chegar até as sete e meia da manhã. Mãe de duas ou três crianças que deixava com a filha mais velha da vizinha. Pois a Marisa confidenciou que já havia realizado três abortos.

Dois com uma agulha de tricô e um tomando chá de canela e arnica. O chá não me traumatizou e achei que era coisa da cabeça dela. Mas, agulha de tricô? Disse que não acreditava. “Mas pode acreditar”, respondeu, “quase morri, fui parar no pronto-socorro numa sangreira só. Não tinha como criar outra criança, já me mato de tanto trabalhar.”

Suspirei fundo e saí com meu filho para a creche e depois direto para a faculdade. E a Marisa continuou faxinando com o ouvido colado no Zambiasi. Na época pensei que ela não escaparia da morte mesmo. Se não de tanto trabalhar como ela dissera, mas abortando por meio de técnicas da época da barbárie.

O que mudou de lá pra cá entre as mulheres como Marisa ou como minha amiga enfermeira que também já abortou? Talvez, a pílula do dia seguinte.

Mas a questão não é esta. Abortar transcende nossas escolhas e crenças. Quem pode julgar se é covardia ou coragem? Loucura ou sensatez? Quem tem moral para avaliar se é crime ou não? O médico? O juiz? O padre, o pastor? O cientista? O taxista que leva a jovem para uma clínica clandestina em Porto Alegre? O presidente do país? A Constituição?

Então, Lívia, “hoje” penso que abortar não é uma opção da mulher.

É uma renúncia.

* Crônica publicada nos jornais A Hora, Opinião de Encantado, e http://www.regiaodosvales.com.br/


3 comentários:

JORGE LOEFFLER .'. disse...

Tens razão Laura.
Tema demasiado complexo. Quando saio à noite e vejo nas esquinas jovens com 16 ou 17 anos rodando bolsinha fico me perguntando quantas bocas elas precisam sustentar. E é neste momento que me revolto ainda mais com as religiões. A de Roma proíbe aos coitados que a seguem o uso do preservativo. Sabendo-se que este previne não só a gravidez indesejada como também doenças venéreas, se estes desgraçados fossem racionais, ao invés de proibir, incentivariam o uso. São tão cretinos que dizem que sexo somente no casamento e para procriação. Eles próprios não observam o que pregam, pois nem mesmo crianças eles levam livres quando o instinto fala mais alto. E tem mais, eles são tão cretinos que fazem de conta que não sabem o quão gostoso é o sexo. Cretinos, não? E muito.
Pessoalmente sou contra a prática do aborto salvo nos casos já previstos em lei. E aí lembro aquele bispo de Roma, um grande f.d.p., lá no norte ou nordeste que queria excomungar uma menina penso que de 11 anos que iria abortar, pois vítima de estupro. Volta a dizer o homem criou as religiões e estas merdas só criam problemas ao próprio homem. Aceito que seja admitido na legislação o aborto a fim de preservar a saúde de milhares de mulheres que recorrem a carniceiros e abortam, muitas delas morrendo devido a complicações posteriores. Se feito o procedimento em hospital público, por certo essas mortes seriam evitadas. Este tema é tão delicado que ainda não havia nenhum comentário. Como dissestes o tema está servindo para tentar mudar o curso da eleição. Isto é nojento, pois temos problemas muito grandes a serem tratados pelos políticos de nosso país para ficarmos discutindo o aborto, pelo menos neste momento.

Anônimo disse, disse...

DILMA PRESIDENTE!

Antônimo disse...

e Verônica Maldonado primeira Dama