sexta-feira, 30 de setembro de 2011

QUEM ESPERA SEMPRE ALCANÇA?


Há um bom tempo venho convivendo com minhas dores.
Então, um belo dia de chuva sai arrastando meu esqueleto até o hospital. Precisava fazer um daqueles exames suspeitos de fotografar a intimidade da gente: os ossos e suas calcificações. Sentei e esperei.
Eu não me importo de esperar desde que tenha algo para ler.
Mas naquela tarde havia esquecido o meu “Liberdade” - presente dos queridos Celso e Miriam. Então, continuei sentada e tentando lembrar de uns exercícios de relaxamento de Yoga. Meditava que o mundo é dos humildes e das criaturas pacientes. Mas, em vão. Acabei tendo uma taquicardia raivosa sem nada para ocupar meus olhos e mente. A menina gentil da recepção disse que o povo leva embora as revistas contaminadas da sala de espera. Engoli em seco: até eu já fiz isso sem me preocupar com as bactérias e afins. Mas devolvo, viu?

Volto minha atenção para as pessoas  silenciosas ao redor.
Um homem de Cruzeiro do Sul  precisa pagar 100 reais por um exame e não tem dinheiro. A moça no balcão nega, por telefone, um exame no postinho de saúde.
Uma senhora geme e suspira ao meu lado. Com certeza a consulta dela é prioritária. O que é uma dor de cotovelo perto de uma dor de pedra nos rins?

De repente descobri umas revistas sem capa num cantinho nos fundo da sala.
Gastas, com jeito de uso adolescente, se é que me entendem. Uma IssoÉ  desfalcada, de setembro de 2008. Um atraso de apenas três anos. Mas no desespero, vale.


Então leio sobre o leilão de uma fatia do bolo de casamento de Ladi Di  por 1,8 mil no Reino Unido. O pedaço tinha 23 cm e sua “dona”, a faxineira da residência real há 27 anos, mostrava o troféu intacto, com o brasão da família de Buckingham. Será que chantilly não azeda com o tempo?

Na outra pagina vejo a fotografia do sambista Nelson Sargento bebendo água em vez de cerveja: “Esse é o começo do fim da malandragem”. Hoje deve ter 87 anos e continua bem vivinho. Uma reportagem sobre o bullying e os crimes cometidos nas escolas. Nada de novo. 

Outra matéria sobre a moda vintage: “não basta ser antigo, tem que ter representatividade histórica.” Ou seja, se o vestido de sua vó não badalou no dia da inauguração do mausoléu dos Vargas, ele apenas é mais um vestido, entendeu? Eu não tenho nada parecido em casa, a menos que o carnaval de 1968 no Clube Recreativo de Lajeado signifique alguma coisa: guardo a fantasia da minha mãe,  um tubinho com estampas à la Mondrian. Mudérrrrno.

Aos poucos a sala no hospital vai se esvaziando e continuo sentada, esperando, esperando... Lembrei de Sêneca: “enquanto se espera viver, a vida passa”.
Sim, passa o trem, o cavalo encilhado, a kombi do verdureiro, passa a minha vontade de continuar naquela sala aguardando a minha vez de ser atendida. Volto com meu esqueleto para casa. Afinal, o que é mesmo uma epicondilite perto de uma orquite?


 * crônica Jornal A Hora, de Lajeado;  Opinião, de Encantado e http://www.regiaodosvales.com.br

2 comentários:

JORGE LOEFFLER .'. disse...

Confesso que não sei responder Laura. Penso que nunca fui acometido por orquite, mas quando ainda muito jovem senti fortes dores na região depois de uma sessão de cinema em que lutei e ao final ficamos somente no amasso. Doeu de verdade, juro por Deus. E não tenho o costume de invocar o nome Dele em vão.

Anônimo disse...

Revistas contaminadas! Deveriam abolir essas revistas de qualquer consultório médico.Já temos disseminados muitas doenças por atos involuntários.