Tarde de sábado, tempo instável, assisto sozinha Haevnen, dirigido pela cineasta dinamarquesa Susanne Bier. Im-pac-tan-te.
Primeiro conquistou o Globo de Ouro, depois o Oscar de melhor filme estrangeiro de 2011. Imaginei que deveria muito bom por ter vencido o não menos excelente “Incêndios”, filme sobre o qual já ocupei sua atenção neste espaço crônico.
Assistindo a Haevnen lembrei do pequeno Davi que baleou sua professora e depois se matou. Fato que atraiu nossas atenções semanas atrás para o inusitado da atitude: por que? Tem coisas que parecem não ter resposta. Muitas vezes, só parecem. Você levanta o véu da ingenuidade e se depara com um abismo e toca a refletir.
Haevnen é um filme denso e extremamente contemporâneo; se assiste quase sem respirar. Sobre o que se trata? - perguntaram.
Poderia ter respondido que era sobre um médico pacifista em um campo de refugiados africanos que lembra Dadaab, no Quênia, enquanto sua família vive a vida em alguma cidade nórdica. O casal tem um filho, vítima de bullying, que se torna amigo de um menino recém transferido para a mesma escola, Christian, por ocasião da perda da mãe.
Mas Haevnen desloca para a tela do cinema alguns dos grandes temas universais da história do mundo: a perda da ingenuidade, justiça, amor, territorialidade, coragem, culpa – e a impotência humana diante dos dramas não menos paradoxais como a miséria e a riqueza, a tecnologia e a solidão. Para citar um exemplo, a cena de pai no deserto africano e o filho no conforto da casa, conversando via internet e a impossibilidade do entendimento. A distância se impondo apesar da moderna tecnologia e do isolamento à reboque.
Com belas metáforas fílmicas para ilustrar o Tempo e o Espaço, Haevnen trata da questão das fronteiras entre os homens e as relações de poder amparadas pelas discriminações. Dessa afronta surge a violência, a humilhação e a vingança – título do filme, estranhamente traduzido para “Em um mundo melhor” – mundo esse inexistente por conta da crueldade bestial da conduta de alguns personagens tribais e pelas deformações sociais da sociedade branca, alienada e egocêntrica.
Assistindo o filme lembramos do versículo mal interpretado de Mateus 5:39 - " ... mas, se qualquer te bater na face direita, oferece-lhe também a outra". Estamos tão distantes do mundo do dr. Anton, um mundo de não-violência mas em território dos mais violentos, que a reação do médico chega a beirar o surreal.
Enfim, os jovens atores são muito convincentes, assim como os adultos. E se em “Incêndios”, o final é tão surpreendente que perdemos a voz, em Heavnen acabamos respirando aliviados quando termina, afinal somos pais, somos filhos, e não críticos de cinema quando dizem que faltou coragem a diretora. Acho que Bier ainda conseguiu fugir do óbvio, do tão inesperado desfecho do pequeno Davi na escola carioca, onde será preciso levantar um véu, talvez, muito pesado. E degenerativo.
Reserve: “Em um mundo melhor” disponível nas locadoras.
* Minha crônica nos jornais A Hora, Lajeado e Opinião, Encantado.
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