Lá dentro um frescor contrastando com o mormaço e movimento da cidade: carros, gritos, um taxista impaciente buzina, uma mulher passa conversando no celular em voz alta para toda a quadra ouvir, saltos finos soam forte na calçada, duas adolescentes estouram bolas de chiclé, risadas...
Dentro, um silêncio de penumbra e cheiro de açúcar queimado, de schimia quente ainda no tacho. Tempo de uva, pensei. Nem um som de radio, nem de tevê. Alívio... Gosto das mesinhas de fórmica com toalhinhas de crochê e vasinhos com flores de seda que conferem um ar caseiro de tempo de vó.
Na parede o mapa do estado, quadrinhos de certificado, a foto antiga do Papa João Paulo II, uma pequena santa ceia, uma tela pequena de natureza morta e outras maiores decoram a sala-café-recepção. Ouço o cadenciar lento de relógio como se marcando a rotina, mas aguardo sem pressa, totalmente envolvida por aquela atmosfera anos 60.
Um antigo armário embutido guarda lembranças, louças que nunca são usadas e outras quinquilharias que a gente não consegue se desfazer. Descubro que existem 50 quartos com diárias que variam entre 23 a 60 reais. Sei que é o hotel mais procurado por quem está de passagem na cidade, porque tradicional, de muito asseio e bem no centro de Lajeado. Tem estacionamento e guarda-noturno próprio para tranquilidade dos hóspedes.
De repente a dona do hotel espia na porta, e imagino que ela faça isso diversas vezes ao dia, conferindo o sossego de sua casa - e me descobre. Cumprimento sorrindo, de Laura para Laura sentamos para conversar.
Laura Kunz, 81, esposa de Hebhand Leberecht Kunz, há 22 anos falecido, nasceu em Conventos. Junto com o marido alugou de 1963 até 1970 o hotel, para depois comprarem definitivamente de Pedro Oswaldo Dahlen.
De repente a dona do hotel espia na porta, e imagino que ela faça isso diversas vezes ao dia, conferindo o sossego de sua casa - e me descobre. Cumprimento sorrindo, de Laura para Laura sentamos para conversar.
Laura Kunz, 81, esposa de Hebhand Leberecht Kunz, há 22 anos falecido, nasceu em Conventos. Junto com o marido alugou de 1963 até 1970 o hotel, para depois comprarem definitivamente de Pedro Oswaldo Dahlen.
D. Laura é mãe de Ieda Maria e vó de Robson Alexander Coletti.
Minha entrevistada é de Escorpião: 24 de outubro. Desconfio que ela nem se interesse pelo assunto. Não tem tempo para perder com tolices mundanas. Mas sei que as pessoas deste signo levam tudo muito a sério e são incansáveis.
Às 6 horas da manhã, d. Laura já está na cozinha do hotel conferindo detalhes e ajudando a servir os hóspedes madrugadores: médicos que atendem na Fundef, representantes comerciais, professores, empresários, estudantes... Cuida de tudo, inclusive do horário de saída na garagem: “Tiro nota. Cobrar é comigo.” - responde objetiva, enquanto pega o telefone para falar com o eletricista: problema no quarto 70.
Quero descobrir algo pitoresco que aconteceu no hotel, afinal, lá se vão quase 47 anos!
- Nada.
- Algo que lhe marcou nesses anos todos?
- A morte de meu marido.
Mas o marido não faleceu no hotel. Insisto...
-Nunca explodiu um cano inundando tudo? Nunca uma briga de casal que extrapolou o quarto? Uma mulher que deu à luz?
- Não. Aqui tudo foi sempre muito controlado. Quem entra, quem sai.
Fico decepcionada. Bem típico do signo: controlador, discreto, sem pretensão de exibicionismo ou vangloria. Nem para colorir a reportagem.
D. Laura é forte, tem saúde, não usa óculos para escrever, lê dois jornais, não olha novela, raramente assiste os noticiários na tevê. O que assiste então?
- A missa do padre Robson.
- Faz tricô, crochê?
- Não, já tem tudo pronto por aí.
Com muita percepção e tarimbada pela experiência, d. Laura nega pouso quando desconfia do vivente: está lotado. E ponto final.
- E antigamente?
- Era tudo mais fácil. Não tinha tanta briga, não matavam tanto. Na política os homens pareciam mais direitos.
- Vota?
- Voto.
- Um político que a senhora admirava?
- Getulio. Mas agora já fui de Fernando Henrique.
Essa mulher reservada, pequena e forte, que já viu de tudo e de muitos, não deita antes da meia-noite. Sentada na janela de seu hotel, inverno ou verão, deixa a vida tomar seu destino, enquanto aguarda pelos hóspedes retardatários e enquanto percebe a cidade se transformar...
Com certeza, d. Laura não é de dar bola para frescuras rosadas como Dia da Mulher.
Mas que fique o registro: é para ela minhas considerações.
Minha entrevistada é de Escorpião: 24 de outubro. Desconfio que ela nem se interesse pelo assunto. Não tem tempo para perder com tolices mundanas. Mas sei que as pessoas deste signo levam tudo muito a sério e são incansáveis.
Às 6 horas da manhã, d. Laura já está na cozinha do hotel conferindo detalhes e ajudando a servir os hóspedes madrugadores: médicos que atendem na Fundef, representantes comerciais, professores, empresários, estudantes... Cuida de tudo, inclusive do horário de saída na garagem: “Tiro nota. Cobrar é comigo.” - responde objetiva, enquanto pega o telefone para falar com o eletricista: problema no quarto 70.
Quero descobrir algo pitoresco que aconteceu no hotel, afinal, lá se vão quase 47 anos!
- Nada.
- Algo que lhe marcou nesses anos todos?
- A morte de meu marido.
Mas o marido não faleceu no hotel. Insisto...
-Nunca explodiu um cano inundando tudo? Nunca uma briga de casal que extrapolou o quarto? Uma mulher que deu à luz?
- Não. Aqui tudo foi sempre muito controlado. Quem entra, quem sai.
Fico decepcionada. Bem típico do signo: controlador, discreto, sem pretensão de exibicionismo ou vangloria. Nem para colorir a reportagem.
D. Laura é forte, tem saúde, não usa óculos para escrever, lê dois jornais, não olha novela, raramente assiste os noticiários na tevê. O que assiste então?
- A missa do padre Robson.
- Faz tricô, crochê?
- Não, já tem tudo pronto por aí.
Com muita percepção e tarimbada pela experiência, d. Laura nega pouso quando desconfia do vivente: está lotado. E ponto final.
- E antigamente?
- Era tudo mais fácil. Não tinha tanta briga, não matavam tanto. Na política os homens pareciam mais direitos.
- Vota?
- Voto.
- Um político que a senhora admirava?
- Getulio. Mas agora já fui de Fernando Henrique.
Essa mulher reservada, pequena e forte, que já viu de tudo e de muitos, não deita antes da meia-noite. Sentada na janela de seu hotel, inverno ou verão, deixa a vida tomar seu destino, enquanto aguarda pelos hóspedes retardatários e enquanto percebe a cidade se transformar...
Com certeza, d. Laura não é de dar bola para frescuras rosadas como Dia da Mulher.
Mas que fique o registro: é para ela minhas considerações.
2 comentários:
Pessoalmente, gostaria de agradecer a Frau Kunz pelo carinho , dedicacao e cuidado que tem dado na administracao do Hotel Dahlem durante todos esses anos. Originalmente construido por meus avos paternos Pedro Osvaldo e Herminia Dahlem e por muitos anos administrado por meus tios Arno e Anilda Portich e, dos anos 60 ate agora pela familia Kunz. Lembro vividamente dos deliciosos almocos de domingo no hotel , junto de meus avos maternos (Rohenkohl)e minha sister....boas e deliciosas lembrancas. Muito obrigado Frau Kunz pelo trabalho fenomenal que tens feito todos esses anos junto ao Hotel Dahlem, ja por muitos anos seu hotel, uma instituicao tradicional de nossa cidade. E que continues firme, com as bencaos de Deus. Obrigado, Sergio Dahlem.
Bela matéria, Laura!!! Um dos ppucos resquicios da Lajeado de ontem. Pacata, feliz e honesta. E parabéns á D.Laura por manter vivo este peda~ço do tempo.
Postar um comentário